Bruxismo e DTM em Tempos da COVID- 19

Bruxismo e DTM em Tempos da COVID- 19

A Demanda pela Especialidade DTM e Dor Orofacial

 

Quando 2020 começou, parecia um ano como todos os outros. Olimpíadas (como sempre em anos bissextos) no Japão, eleições municipais no Brasil e a esperança que sempre depositamos em um ano melhor que o anterior. Na China tínhamos algumas informações sobre um vírus perigoso e extremamente contagioso (mas a China é muito longe). A Itália começou a apresentar problemas também (ops: chegou mais perto!); logo o mundo todo já tinha o vírus e a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara, em março de 2020 que estamos em Pandemia.

O que significa isso? Como temos que agir? Quais os riscos? Quem corre mais perigo? Como vencê-la? Quando poderemos voltar à nossa “vida normal? Entramos num momento de incertezas, que alimentam a ansiedade e o medo. O que esperar de agora em diante? A “novidade” da Pandemia levou grupos de estudiosos em todo mundo, a debruçarem-se sobre seus desdobramentos e perspectivas futuras. A expressão outrora “quase” inédita e atualmente exaustivamente utilizada denominada “novo normal”, começou a desafiar o entendimento da situação. Este caminha deforma paralela com a própria COVID-19, produzindo alterações e atualizações dos conceitos e achados, ao longo da trajetória.

O impacto da COVID-19 na esfera psicológica, tem sido estudada globalmente e estudos tendem a demonstrar o crescimento da percepção de ansiedade de moderada a severa. Mecanismos de aumento da ativação do Sistema Nervoso Autônomo Simpático, oriundos de problemas psicológicos envolvidos em situações estressantes, tendem a gerar liberação adicional de esteroides adrenocorticais, levando à vasoconstrição muscular e aumento da resistência vascular periférica. O comprometimento autonômico, também pode levar a uma hiper-excitação e criar ou perpetuar qualquer distúrbio do sono.

Espera-se assim a ocorrência de sinais e sintomas pós-pandêmicos (e podemos dizer que em face de seu prolongamento, trans-pandêmicos também) de dores orofaciais crônicas, incluindo DTM, em padrão semelhante ao da síndrome de estresse pós-traumático. Ressalta-se a importância desses fatores psicológicos, tais como ansiedade e depressão, no surgimento, manutenção ou agravamento das Disfunções Temporomandibulares (DTM), sobretudo nos pacientes que apresentam DTM muscular que em grande parte apresentam “dor” como queixa principal.

Por bruxismo entendemos como uma “atividade muscular mastigatória repetitiva” que pode ou não levar a consequências desagradáveis. Esse bruxismo pode ser dividido em Bruxismo do Sono (BS) ou Bruxismo em Vigília (BV)existindo também a sugestão que haja a divisão também em “Normo-bruxismo e Pato–bruxismo” conforme seu impacto da quelesque o apresentam. Há uma fraca (ou mesmo inexistente) relação causal entre o BS e as alterações psicológicas e sociais; por outro lado, o BV parece estar intimamente ligado a estas. Pacientes com altos níveis de estresse podem apresentar até 6x mais chance de relato de BV. O BV também é um fator de risco para início e perpetuação das DTM, principalmente as musculares.

Disfunção Temporomandibular (DTM) pertence a um grupo heterogêneo de condições musculoesqueléticas e neuromusculares envolvendo o complexo articular temporomandibular, a musculatura e os componentes adjacentes. Incluem-se em seus sinais e sintomas os estalos, função alterada da mandíbula e dores. Desde 2002 existe o reconhecimento pelo Conselho Federal de Odontologia(CFO) da especialidade “Cirurgião-dentista Especialista em DTM e Dor Orofacial”, existindo uma crescente oferta de cursos de atualização, especialização e pós-graduação na área, além de um trabalho de divulgação e tentativa de inserção em grade curricular de graduação na odontologia, principalmente a partir dos esforços da Sociedade Brasileira de DTM e Dor Orofacial (SBDOF), estabelecida a partir de 2012.

E o consultório do especialista em DTM e Dor Orofacial: o que esperar? Na minha clínica, em um primeiro momento, pacientes que estavam em tratamento, preferiram ser acompanhados à distância. A expectativa era que essa situação seria transitória e, se tudo fosse feito corretamente, de curtíssima duração; mas não foi assim que a história aconteceu. Em meados de abril, comecei a receber muitos contatos novos de pessoas experenciando DTM (principalmente as dolorosas) e que em sua grande maioria, nunca tinham passado por isso. Pacientes que já tinham controlado suas DTM, agora procuravam ajuda novamente frente a recidivas. Em contato com grupos de colegas da área, essa percepção de incremento foi quase unânime. Qual a explicação?

A percepção e relato de aumento da sensação dolorosa tende a corroborar a proposta de definição de “Dor” de Williams e Craig, publicada na revista PAIN em 2.016: “Dor é uma experiência angustiante associada a uma lesão tecidual atual ou potencial com componentes sensoriais, emocionais, cognitivos e sociais” e que em maio de 2020 passou a ajudar a explicar a nova definição: “ Dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável associada ou semelhante à associada a dano tecidual real ou potencial”. Parece razoável admitirmos que todos esses fatores emocionais, cognitivos, sensoriais e, talvez com um impacto maior que outrora, os aspectos sociais, estão se deteriorando com o prolongamento do isolamento, alterações de rotina, incertezas e os medos. Não se pode deixar dissociada a importância das alterações de sono esperadas e já relatadas pelos pacientes, que também estão relacionadas à piora da qualidade de vida e aumento do risco de cronificação das dores.

A incapacidade de previsão do desfecho, faz com que o “novo normal” (sempre em mutação) leve toda a nossa classe odontológica e, muito provavelmente em grau destacado o Dentista Especialista em DTM e Dor Orofacial, a enfrentarem e se adequarem ao desafio imposto pela presença da COVID-19 e seus desdobramentos. Atendimento precoce, educação e tranquilização do paciente, assim como terapias conservadoras e minimamente invasivas, fazem parte do arsenal mundialmente preconizado para tratamento e controle das dores orofaciais, sendo o nosso legado para ajudar aos impactados pela Pandemia.

A incapacidade de previsão do desfecho, faz com que o “novo normal” (sempre em mutação) leve toda a nossa classe odontológica e, muito provavelmente em grau destacado o Dentista Especialista em DTM e Dor Orofacial, a enfrentarem e se adequarem ao desafio imposto pela presença da COVID-19 e seus desdobramentos.

Autor: Dr. Sergio Moura Guimarães
Cirurgião-dentista em Campinas (SP)

• Graduado pela FOP/UNICAMP – 1994; Mestre e Especialista em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial (DTM/DOF) pela Faculdade Slmandic/Campinas- 2012;
• Cursos de imersão em DTM/DOF na Suécia, Suíça, Dinamarca, Itália e Bélgica(2011/2015);
• Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial (SBDOF);
• Membro do Grupo de Estudos em Dor Orofacial (GEDOF) – São Paulo.

Referências:

Schiffman E et al. Diagnostic Criteria fortemporomandibular disorders (DC/TMD)for clinical and research applications: recomendations of the International RDC/TMDConsortium Network® and orofacial painspecial interest group. JOPH 2014
World Health Organization – WHO. WHOannounces COVID-19 outbreak a pandemic. WHO 2020
Qu X, Zhou X. Psychological interventionfor patients with oral disease during thepandemic period of COVID-19. ZKQYXZZ2020Almeida-Leite C M, Stuginski Barbosa J,Conti PCR. How psychosocial and economic impacts of COVID-19 pandemic can interfere on bruxism and temporomandibulardisorders? JAOS 2020
Lobbezoo F et al. International consensusof the assessment of bruxism: reporto f aworking in progress. JOR 2018
Svensson P, Lavigne G. Clinical bruxismsemantics beyond academic debates: Normo and patho-bruxism as a new proposal.JOR 2020Raja S N et al. The revised International Association for the Study of Pain definition ofpain. PAIN 2020

 

Fonte: ABO Nacional

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