Ambiente de trabalho colabora para formação de lesões dentárias

Ambiente de trabalho colabora para formação de lesões dentárias

Profissionais que trabalham mediante prolongada exposição a componentes químicos estão ainda mais suscetíveis a possuírem lesões dentárias. Somada a fatores como idade e dependência de nicotina, essa condição se torna um intensificador.
 
Em 1999, o Ministério da Saúde divulgou uma lista de doenças relacionadas ao trabalho, dentre as quais, quatro eram odontológicas: erosão dentária, alteração de cor dos dentes (escurecimento), gengivite e estomatite. O principal fator de risco para essas doenças é a exposição prolongada ao que se chama de névoas ácidas ou agentes químicos no ambiente ocupacional, o que acontece, por exemplo, com trabalhadores que lidam com galvanoplastia, com polimento de peça metálica, principalmente no setor automobilístico e indústrias afins.
 
Essa exposição também afeta a parte do dente próxima ou encoberta pela gengiva. As lesões cervicais não-cariosas estão localizadas na região cervical dos dentes e ocorrem devido à erosão (por substâncias químicas), abrasão (por atrito à escovação e à pasta dentária) ou abfração (por excesso de força no fechamento da boca, que pode ser desencadeada por bruxismo), sendo, por isso, multifatoriais e não relacionadas a bactérias. Além da influência química, a perda de estrutura de dente pode ser ocasionada pelo atrito muito forte entre a escova e os dentes na hora da higienização, por exemplo, e mesmo pela má limpeza bucal. Hábitos como bruxismo, em que os dentes são pressionados uns contra os outros com certa intensidade, também geram uma força nessa região cervical do dente que pode fazer com que haja perda de substância dentária.
 
A pesquisa de tese de doutorado de Rafael Aiello Bomfim, da Faculdade de Odontologia da USP, foi realizada em um dos 201 Centros Estaduais e Regionais de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), o de Guarulhos, que engloba 11 municípios do alto Tietê. Os Cerests, ao diagnosticarem os acidentes e doenças relacionados ao trabalho, dão subsídios técnicos para o SUS nas ações de promoção, prevenção, vigilância, diagnóstico, tratamento e reabilitação na saúde do trabalhador. Para início dos estudos, foi feito um levantamento epidemiológico que revelou o perfil da condição bucal dos trabalhadores. Seguido a isso, aplicaram-se questionários internacionalmente reconhecidos relativos à escala de estresse no trabalho, à prática de atividades físicas, ao tabagismo, ao consumo de álcool, à capacidade para o trabalho, à qualidade de vida em saúde bucal e questionários sociodemográficos para saber a influência de cada um dos itens com as condições da boca. De um número de 100 participantes saíram 46% expostos e 58% não expostos a resíduos químicos, estes últimos formando o grupo controle. No total, a porcentagem entre homens e mulheres também era semelhante. De todos, quase metade (48%) não possuía nem o ensino fundamental completo, e a vasta maioria (95%) não ganhava mais do que três salários mínimos.
 
Com os resultados, foram feitas associações estatísticas das lesões cervicais não-cariosas com os grupos ocupacionais, expostos e não expostos. Os dados mostraram que o índice de dentes cariados, perdidos e/ou obturados variou conforme o avanço da idade (média de 8,94 dentes na faixa dos 18 aos 34 anos e de 19,3 dentes na faixa dos 45 aos 68). Para saber se a exposição química está relacionada com isso ou não, foi feita uma análise de regressão, em que todos os fatores são avaliados conjuntamente. A análise de regressão logística avaliou a presença ou não da lesão, e a linear, o número delas. Ao final, pôde-se perceber que a presença de lesões cervicais não-cariosas no grupo ocupacional de exposição é significativa (p=0,2), mas não tanto quanto o fator etário (p=0,0005). O fator que melhor explicou o número de lesões cervicais não-cariosas foi a variável anos de fumo (fumar por mais de 15 anos), como demonstrado no estudo. A conclusão de Bomfim é que “a exposição ocupacional a névoas ácidas é um fator que contribui para o desenvolvimento das LCNCs, mas não é determinante. Não é porque teve exposição que terá a doença”. 
 
Com isso, o pesquisador sugere que seja feita a inclusão de exames odontológicos periódicos aos trabalhadores, objeto de discussão na comissão de constituição e justiça, o PL422/2007, que terá audiência pública dia 3 de dezembro de 2013 em Brasília. O autor sugere inclusão de ações de saúde bucal na Sipat (Semana Interna de Prevenções a Acidentes do Trabalho), a orientação sobre os malefícios do tabaco e a criação de uma norma regulamentadora para tratar das questões bucais, assim como acontece com os exames médicos ocupacionais, regidos pelo Ministério do Trabalho. “Às vezes o trabalhador almoça e não tem um ambiente apropriado para escovar os dentes no local de trabalho. É fundamental que haja uma conscientização sobre a importância da boa higiene, tanto por parte do trabalhador quanto da empresa.” Para ele, é igualmente importante incentivar o uso de equipamentos de proteção individuais, como a máscara que protege contra os agentes químicos, e elaborar protocolos, para uso dos Cerests para registro de dados no Sinan (Sistema Nacional de Agravos de Notificação), porque, hoje, se o trabalhador sofre um acidente de trabalho e quebra um dente, não se consegue notificar esta informação ao Sinan, e as questões odontológicas acabam ficando esquecidas.
 
 
 
 
Fonte: Faculdade de Odontologia – USP 
 

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