Todo o implante é uma bomba-relógio

Todo o implante é uma bomba-relógio

Calcula-se que a periimplantite afete entre 17 e 77% dos indivíduos reabilitados com implantes, num total entre 10 a 43% dos implantes colocados. Em Portugal não existem estudos, mas os especialistas entrevistados pela SAÚDE ORAL acreditam que as estatísticas não andem longe destes números. Quais os fatores de risco? Os médicos dentistas devem ser criteriosos na escolha dos candidatos a implantes? Ou depende do implante? Há quem já defenda o regresso às origens e fazer tudo para salvar os dentes.
 
A ausência de técnicas de higiene adequadas ou a impossibilidade de higienização por parte do paciente, bem como a pouca rotina de consultas periódicas de controlo constituem alguns dos fatores que conduzem à periimplantite. “Sendo a periimplantite uma doença infeciosa, a sua principal causa é a placa bacteriana”, refere o médico dentista Paulo Campos suportando-se do “Consensus report, 6º European Workshop of Periodontology, 2008”. 
 
Outros fatores – sistémicos ou relativos ao paciente – devem ser tidos em conta e constituem um risco de desenvolvimento da doença, como “a presença de gengiva queratinizada, a presença de excessos de cimento em próteses cimentadas, os desajustes da prótese ou um contorno ou desenho incorreto da prótese”, refere. “Há diversos fatores de risco, ainda não totalmente esclarecidos, sendo a periodontite e o tabaco os que estão melhor estudados e que se correlacionam com uma maior incidência da periimplantite”, acrescenta a médica dentista Helena Rebelo, docente da especialização em Periodontologia e Implantes da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, com mestrado em Periodontologia e atividade clínica ligada a esta especialização e à cirurgia de implantes. Esta “complicação biológica tardia” desenvolve-se geralmente “apenas entre 5 a 10 anos após a reabilitação estar funcional. De acordo com a evidência científica atual, a periimplantite afetará entre 17 a 77% dos indivíduos reabilitados com implantes, num total de entre 10 a 43% dos implantes colocados”, assinala Helena Rebelo. 
 
A nível internacional, “os dados de prevalência não são consensuais, sobretudo porque são usados diferentes critérios para a definição de periimplantite nos diferentes estudos”, acrescenta. Relativamente a Portugal, Helena Rebelo não conhece nenhum estudo “fiável”, mas acredita que “não existe motivo para que haja diferenças relativamente ao que é refletido nos estudos internacionais”. Cátia Íris Gonçalves, médica dentista e mestre em Peridontologia, considera que em Portugal “seria necessário um estudo multicêntrico para balizarmos um número, o qual suspeito seria bastante alto”. 
 
Alternativas de tratamento 
 
Este é um problema com que os médicos dentistas lidam na sua prática clínica. “Infelizmente não estou imune a este grande problema e com o passar destes 15 anos em que coloco implantes frequentemente, acredito que o que já me apareceu para resolver será a ‘ponta do iceberg’. Por isso tento ser mais criterioso na escolha do candidato a implantes e dos casos que me proponho tentar resolver”, revela Dárcio Fonseca. O médico dentista refere ainda algumas causas, relacionadas com a “superfície do implante (quanto mais rugosos, pior), o seu design e morfologia (implantes cónicos e com cone morse têm melhor prognóstico) e a reabilitação protética (o uso de platform shift tem melhores resultados”). 
 
“Não existem guidelines internacionais que tenham definido qual o melhor tratamento para a periimplantite” – Helena Rebelo 
 
Já Helena Rebelo acompanha dois tipos de doentes: os que são seus doentes de implantes e os que lhe são referenciados especificamente para tratamento da periimplantite. Relativamente ao acompanhamento que providencia, opta por fazer sempre uma preparação prévia para serem reabilitados com implantes, dando particular ênfase à prevenção da patologia, até porque muitos deles têm à partida um traço de risco para o desenvolvimento de periimplantite por serem doentes com periodontite tratada”. Lamenta que, apesar dos esforços de prevenção e tratamento precoce, “acompanha alguns casos de periimplantite que em geral surgem anos após osteointegração”. No que respeita ao tratamento selecionado, afirma que nenhuma técnica se mostrou até ao momento “claramente superior”, de acordo com a literatura existente. “O objetivo é a descontaminação da superfície do implante e a remoção do tecido de granulação envolvente, pelo que opto por uma abordagem cirúrgica que me permite melhor acesso a zona afetada. Em geral associo a administração de antibiótico sistémico e, principalmente, coloco o doente num regime muito apertado de controlo do biofilme bacteriano em casa e com consultas de controlo trimestrais”. 
 
De acordo com o que está descrito na literatura, a perrimplantite tem uma elevada tendência de recidiva, pelo que “se o doente não se comprometer a cumprir rigorosamente a sua parte (cuidados em casa e comparecer nas manutenções trimestrais), o tratamento está destinado ao fracasso”. Paulo Campos concorda e destaca a importância da ida às consultas de manutenção periódicas. “É necessário que o clínico avalie periodicamente o grau de higiene do paciente, a presença de placa bacteriana e de inflamação na mucosa periimplantar e a existência de bolsa e sangramento à sondagem periodontal”, destaca. Também Dárcio Fonseca refere a controvérsia no que ao tratamento diz respeito, existindo várias abordagens descritas, mas nenhuma delas considerada a melhor ou a mais completa. “Partindo do princípio que já não se trata de uma mucosite, o tratamento engloba um tratamento cirúrgico e anti-infecioso composto por desbridamento mecânico e descontaminação de superfícies; regeneração com biomateriais Cerabone® e Jason Membrane® da Botiss; fazer enxerto conjuntivo no mesmo ato ou à posteriori, caso não seja possível, repetindo se necessário e esperar cinco a seis meses, de preferência, sem a reabilitação protética”. Se o caso for muito extenso, o médico dentista opta por retirar os implantes e criar condições para “começar de novo”. Espera seis meses e só depois volta a colocar os implantes. 
 
Cátia Íris Gonçalves destaca três abordagens distintas: tratamento cirúrgico, não cirúrgico e “explantação do implante. Podemos ter casos que se resolvem apenas com um tratamento básico (fase higiénica, com motivação e instruções de higiene aos pacientes, porventura adaptando melhor as supraestruturas para que o mesmo consiga ter um acesso higiénico facilitado) e noutros casos, mais complexos, podemos ter a necessidade de uma abordagem cirúrgica, que vise a descontaminação da superfície do implante e dos tecidos circundantes (com ou sem regeneração óssea associada)”. Por último, em casos denominados “fim de linha”, nos quais a previsibilidade da intervenção conservadora não é suficientemente alta para compensar a morbilidade e o investimento financeiro, a médica opta por “explantar e começar do zero”. São os chamados “casos perdidos”. 
 
A periimplantite não é uma doença de fácil resolução. “Tal como referido anteriormente, a tendência à recidiva é muito elevada, aproximando-se de 100% em alguns estudos. Efetivamente, ao contrário da periodontite, cujo êxito do tratamento está bem documentado na literatura desde há décadas, tal não acontece ainda hoje com a periimplantite”, refere a médica dentista. 
 
Pacientes informados 
 
Antes da decisão de qualquer tratamento é importante que o paciente seja devidamente esclarecido. Além de ser importante saber que tratamento vai ser efetuado, deve conhecer os cuidados a ter e as possíveis complicações. “Tenho a convicção de que não se deve permitir ao paciente pensar que vai resolver os seus problemas tirando dentes e colocando implantes, tal como ouço diariamente. Deixar um paciente na sua ignorância contribui, em minha opinião, para problemas futuros, desprestígio próprio e da classe, qualquer que seja o caso”, defende Paulo Campos. 
 
Dárcio Fonseca considera que apesar de os pacientes serem devidamente informados e assinarem um consentimento informado, “não têm noção das implicações do ato e dos seus reais riscos, nem têm conhecimentos para tal, mesmo indo ao Dr. Google”. Considera que “se os implantes falharem, por esta ou outras razões e quiserem vir reclamar, têm sempre amnésia seletiva de nunca se recordarem daquilo que lhes foi dito ou escrito”. O médico dentista defende que não se pode facilitar, controlando caso a caso “obessivamente nas consultas de higiene oral” e tendo a “sorte de diagnosticar precocemente para resolver de imediato”. A periimplantite é uma doença “silenciosa” e se “os dentes funcionam e não dão dores, para quê ir ao dentista”, questiona. Este é aliás um dos grandes problemas no diagnóstico precoce da periimplantite pois os pacientes não são muitas vezes alertados pela dor. “Em gande parte, a mesma está ausente mesmo em zonas de grande destruição óssea”, explica Cátia Íris Gonçalves. Os doentes podem até pensar que tudo está dentro da “normalidade”, quando em muitos casos as situações de periimplantite já estão em fase avançada. Para Cátia Íris Gonçalves é clara a noção de que quando os casos não são “ideais para colocar implantes (como por exemplo “fumadores pesados”), nada como um consentimento informado, esclarecedor e com uma linguagem percetível, assim como uma conversa franca, de teor informativo, com cada paciente, explicando bem todos os riscos associados no seu caso específico”. 
 
Numa reabilitação programada com utilização de implantes osteointegrados, Helena Rebelo informa os pacientes do risco de desenvolvimento de periimplantite. “Além disso não coloco implantes em doentes desdentados parciais que não tenham um elevado nível de eficácia no controlo do biofilme bacteriano. No caso de desdentados totais, em que o hábito do controlo de placa bacteriana não existe, este compromisso prévio tem que ser ainda mais claro”, refere. 
 
Falta de guidelines internacionais 
 
Helena Rebelo afirma que “não existem guidelines internacionais que tenham definido qual o melhor tratamento para a periimplantite”, sendo que a única regra definida “é a obtenção de uma superfície do implante o mais limpa possível para deter a infeção. Os diversos estudos comparativos não conseguem ainda demonstrar diferenças entre as várias abordagens. O que é realmente consensual é a necessidade de um programa rigoroso de manutenção” e acredita que a consciencialização dos colegas portugueses relativamente a esta doença não é “diferente da verificada nos colegas estrangeiros”. 
 
“É necessário que o clínico avalie periodicamente o grau de higiene do paciente, a presença de placa bacteriana e de inflamação na mucosa periimplantar e a existência de bolsa e sangramento à sondagem periodontal” – Paulo Campos 
 
Paulo Campos destaca as recomendações da Federação Europeia de Periodontologia no que respeita à metodologia indicada. “No que a generalidade dos estudos está de acordo é que o principal desafio do tratamento está na descontaminação da superfície implantar, uma vez que a etiologia da doença é bacteriana, e que as superfícies existentes constituem um habitat favorável para a sua colonização. Assim sendo, têm sido descritas várias metodologias, com o uso de diversos antimicrobianos, tais como a utilização de jato de bicarbonato, glicina, ultrassons com ponta de plástico, desgaste das espiras implantares com broca diamantada, irrigação com solução de clorhexidina, iodopovidona, peróxido de hidrogénio, ácido cítrico, entre outros”, destaca. Todos parecem resultar, mas apenas em alguns casos, “tornando a sua utilização pouco previsível impossibilitando assim a criação de guidelines”, sublinha. 
 
O médico dentista Dárcio Fonseca confessa que, quanto mais anos tem de profissão, mais gosta de dentes e menos de tudo o resto. Na sua opinião, “a natureza é que é perfeita, os demais são aproximações mais ou menos realistas da mesma”. Hoje em dia tenta ser mais conservador, “dar mais hipóteses ao dente e à sua conservação em boca, se possível sem endodontia, sem grandes destruições da superfície dentária e sem a sua substituição por implantes”, refere. No entanto, “para todos os espaços edêntulos, a sua primeira e quase única opção são os implantes”. 
 
Aposta na formação 
 
Helena Rebelo defende que é “obrigatório abordar a periimplantite” não só em ensino universitário, mas em cursos mais curtos e práticos de fins-de-semana. Citando Mario Roccuzo, “todo o implante é uma bomba-relógio: ao colocá-lo nunca sabemos como e quando vai explodir. Está na hora dos dentistas regressarem às suas origens: fazer tudo o que seja possível para salvar os dentes e manter os doentes sob controlo adequado, especialmente os doentes periodontais com implantes“. A médica dentista considera que, dentro de uma década, “nenhum colega colocará implantes sem fazer a correta avaliação custo-benefício e sem ter os cuidados preventivos adequados”. 
 
Cátia Iris Gonçalves partilha da sua opinião e considera que se tem vindo a assistir a um “boom” de casos de periimplantite nos últimos anos “também porque a população tem aceite muito bem este tipo de solução protética”. No entanto, a informação sobre o tratamento desta patologia “é relativamente escassa e as orientações terapêuticas não são protocolares, assentando o mais possível no bom senso e numa abordagem preventiva”. Desde finais dos anos 90 que têm sido colocados implantes “de forma massiva em Portugal” e pelo facto de surgirem muitos casos é essencial formar “os clínicos sobre como diagnosticar a doença em fases precoces, pois será mais fácil de ser tratada e por fim, mas não menos importante, ‘popularizar’ o problema real que a indústria tanto tenta abafar, consciencializando a classe para uma patologia séria que pode ser em larga medida prevenida”, defende Paulo Campos. 
 

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