Professores burlam dedicação exclusiva na UFPR

Professores burlam dedicação exclusiva na UFPR

Pelo menos 15 docentes do curso de Odontologia da universidade têm paciente particular fora da universidade, o que é proibido por lei
 
Pelo menos 15 professores do curso de odontologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) vêm atendendo pacientes em consultórios ou clínicas privadas de Curitiba, bem longe do espaço universitário. Sem qualquer dificuldade e até por telefone, é possível agendar consultas particulares com eles. O problema é que esses docentes são contratados pela UFPR em regime de dedicação exclusiva: ganham um adicional de até 50% ao salário-base para se dedicar unicamente à vida acadêmica. Em contrapartida, são proibidos de exercer atividades remuneradas fora da instituição de ensino.
 
Nas duas últimas semanas, a Gazeta do Povo localizou as clínicas ou consultórios particulares em que os 15 docentes atendem. A reportagem conversou com secretárias, com os próprios professores e chegou a pré-agendar mais de uma consulta com cada um deles. Outros dois disseram que deixaram de atender pacientes particulares há pouco tempo. Ao aderirem ao regime de dedicação exclusiva, os professores assinam um termo em que se comprometem a “renunciar a qualquer atividade remunerada, seja ela pública ou privada”.
 
Em alguns casos, os dentistas não fazem questão de esconder o atendimento particular externo à universidade. O professor Jayme Bordini Júnior, por exemplo, é apresentado no site da Clínica Odontológica POI como diretor da empresa. Chega aparecer em fotos e a ostentar um mini-currículo na página do consultório. Segundo a secretária, ele cobra R$ 150 por uma avaliação.
 
Quatro casos já são investigados pela UFPR
Os procedimentos de investigação são conduzidos pela Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progepe), que apura se os docentes violaram a lei de dedicação exclusiva
 
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A professora Juliana Saab Rahal mantém um consultório – do qual ela é sócia, segundo o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) – no Hospital Union. Sua página na internet diz que ela “atua em consultório particular desde 2001”. O professor Paulo Afonso Cunali, por sua vez, consta do “corpo clínico” do site da Clínica da ATM, que explicita que ele é professor da UFPR.
 
Outros dois docentes – Delson João da Costa e Guilherme Berger – chegam a receber pacientes por meio de convênios de saúde. Em uma das ligações ao consultório de Berger, uma secretária orientou à reportagem que aguardasse, porque ele atendia um cliente naquele instante. Quando falou ao telefone, o dentista negou que prestasse serviços naquele consultório, mas não soube explicar o que fazia no local. “Eu não estou entendendo sua pergunta. Eu não atendo aqui. Obrigado”, disse, antes de interromper a entrevista.
 
Já Costa, que cobraria R$ 150 por uma avaliação particular, parecia mais preocupado em saber como a reportagem obteve o número do seu celular do que em esclarecer a situação. “Como você conseguiu meu telefone?”, perguntou. “No consultório em que o senhor atende e em que eu cheguei a marcar uma consulta com o senhor”, respondeu a reportagem. Ele não respondeu quando questionado se, de fato, recebe pacientes na clínica.
 
Fora da UFPR
Veja quem são os professores que atendem em clínicas particulares e o que eles dizem:
 
Alexandre Roberto Heck
 
Cobra R$ 150 pela consulta. Reportagem pré-agendou duas consultas por telefone. Segundo a secretária, ele chegou a atender por convênios, mas não atende mais. Em seguida, reportagem tentou ouvi-lo por meio do consultório, mas ele não retornou as ligações.
 
Delson João da Costa
 
Segundo a secretária, atende sempre pela manhã, a R$ 150 por consulta. Foram pré-agendados dois horários. Atende também por convênio da Caixa Federal. Por celular, não respondeu se presta serviço no consultório.
 
Éderson Áureo Gonçalves Betiol
 
Foram pré-agendados dois horários: um no período da manhã, outro no da tarde. Só atende pacientes particulares, a R$ 250 a avaliação. Reportagem tentou contato por celular, mas as ligações não foram atendidas. Os recados na caixa-postal não foram respondidos.
 
Egas Moniz de Aragão
 
Só tinha vaga na agenda em junho. Foi pré-marcada uma consulta. Em outro caso, a secretária retornaria para agendar outro atendimento. A reportagem tentou localizá-lo por meio do consultório, mas a secretária disse que não tinha permissão para passar o número do celular. Os recados deixados não foram respondidos.
 
Gastão Valle Nicolau
 
Costuma atender sempre às segundas e terças-feiras, de acordo com a secretária. Foram pré-marcados dois atendimentos para depois do dia 28, quando o professor retornaria de viagem. A reportagem tentou localizá-lo por meio do consultório, mas ele não retornou as ligações.
 
Gilson Blitzkow Sydney
 
Segundo a secretária, costuma atender pela manhã. Foram pré-agendadas duas consultas. Por telefone, negou que preste atendimento e disse que a clínica pertence a parentes. “O consultório foi montado porque meu filho e minha nora fizeram odontologia. São eles que tocam”, disse. Sobre a dedicação exclusiva, diz: “Muitas áreas exigem que o profissional tenha prática. Como um professor vai ensinar cirurgia se ele não faz cirurgia?”
 
Guilherme Berger
 
Foram pré-agendadas duas consultas. Segundo secretária, ele cobra R$ 100 por avaliações particulares, mas também atende por convênio com a Caixa Econômica Federal. Por telefone, negou que preste os serviços e interrompeu a entrevista.
 
Jayme Bordini Júnior
 
Além do perfil no site da Clínica POI, em dois dias distintos, secretárias confirmaram que ele atende no local, a R$ 150. As consultas só não foram marcadas, porque havia dúvidas quanto a agenda dele, por causa do feriado. Posteriormente, a reportagem tentou localizá-lo por meio da clínica, mas ele não retornou as ligações.
 
João Luiz Carlini
 
A reportagem pré-marcou duas consultas com ele, ao custo de R$ 200 cada. Ele foi encontrado atendendo no consultório – do qual é sócio, segundo o CNPJ. “Aqui [eu atendo] raramente. A gente só faz um tipo de consultoria, sabe? (…) Eu acho que não fere [a dedicação exclusiva] (…). Eu só trabalho na universidade.”
 
Juliana Saab Haal
 
Mantém consultório em um hospital particular. Em seu site, diz que atende em consultórios privados desde 2001. Ela alega que recebe apenas pacientes antigos, cujo tratamento ainda não foi concluído. Diz que se tornou professora em dedicação exclusiva há um ano e meio. No entanto, a última alteração no regime de trabalho dela, segundo o Portal da Transparência, é de 2008.
 
Luiz Fernando Boros
 
Foram pré-agendadas duas consultas, por telefone. Ele próprio atendeu uma das ligações e disse que conseguiria “um encaixe” para o atendimento. Disse que atende sempre à tarde, porque de manhã está na universidade. Posteriormente, alegou que a clínica pertence à família e que faz atendimentos esporádicos. Concorda em atender porque é um dos poucos especialistas em sua área.
 
Marili Doro Andrade Deonízio
 
Atende em uma clínica particular. Segundo a secretária, ela só atende no particular, nos períodos em que não está na UFPR. Foram pré-agendadas duas consultas. Posteriormente, disse que a questão da dedicação exclusiva é muito discutida na universidade. “Preciso ter habilidades manuais e conhecimentos que só teria em consultório.”
 
Paulo Afonso Cunali
 
Segundo a secretária, costuma atender no período da manhã ou da tarde, dependendo da agenda dele na UFPR. Foram pré-agendadas duas avaliações com ele. Posteriormente, a reportagem tentou localizá-lo por meio do consultório, mas os recados não foram atendidos.
 
Renato Leite Rosa
 
Ele próprio atendeu a ligação no consultório. Disse que estava com a agenda lotada para a semana do feriado de 21 de abril, mas que teria horários disponíveis nas semanas seguintes, a R$ 90 a consulta. Disse que dá aulas na UFPR às segundas, quartas e sextas-feiras. Posteriormente, negou que atenda na clínica, mas que repassa os clientes à mulher, de quem é sócio. “Se vai fazer a consulta, é com ela”, disse. Acrescentou que está concluindo doutorado e que pretende se dedicas apenas à universidade. Avalia que a lei da dedicação exclusiva é discutível. “Saem professores com altíssima titulação, com baixa sensibilidade para clínica privada. Mas é a vocação da universidade.”
 
Vitório Bonacin
 
Aparece como membro do corpo clínico da Clínica Estética Odontológica. É coordenador de curso de pós-graduação da Faculdade Futuro, da qual é sócio, segundo o CNPJ. A secretária da clínica informou que havia horários disponíveis apenas para junho porque o professor estaria fora do país. Ele não retornou os recados deixados no consultório.
 
 
Fonte: Gazeta do Povo

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