Efeitos das drogas na saúde bucal

Efeitos das drogas na saúde bucal

Lícitas ou ilícitas, as drogas fazem com que o tratamento odontológico dependa e seja parte de um atendimento multidisciplinar ao paciente.
 
 
Além dos problemas na saúde bucal e periodontal frequentes no consultório do dentista, o profissional deve lidar com aqueles que surgem devido aos fatos que vão muito além de uma simples doença ou falta de cuidado do paciente diretamente – por exemplo, complicações relacionadas ao uso de drogas, lícitas ou não. O paciente, quando tem algum vício neste sentido, pode ter problemas bucais, além do normal por dois motivos: todas as drogas causam, por si só, algum efeito prejudicial na saúde bucal e fazem com que o paciente tenha menos cuidado com sua higiene. 
 
Com isso, o cirurgião-dentista pode tratar apenas do problema ocasionado e fazer o tratamento frequente no mesmo paciente, ou pode garantir um bom tratamento ao tentar auxiliar na raiz do problema – auxiliando em um tratamento multidisciplinar, para que a pessoa se trate como um todo, fazendo com que o problema não seja recorrente. 
 
Quem garante essa abordagem é o coordenador do curso de especialização de Periodontia da Associação Nacional de Estudos Odontológicos (Aneo) e consultor científico da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Rodrigo Guerreiro Bueno de Moraes. "O papel do cirurgião-dentista, ao constatar que um paciente é viciado em drogas, como todo profissional da saúde, é intervir e questionar abertamente para orientar à busca de tratamento especializado em saúde, com profissionais aptos a lidar com a situação. Médicos, psiquiatras e psicólogos fazem a diferença nesta trama multidisciplinar voltada ao apoio à saúde do dependente químico", indica. 
 
"Toda a orientação ao paciente usuário de drogas deve vir de um diagnóstico médico fechado. A partir desse, outras necessidades serão avaliadas e encaminhadas ao seu tempo e espaço, conforme o plano de tratamento de saúde integrado para essa abordagem prever", afirma o especialista. A exceção são as emergências e dores que exigem o pronto-atendimento. "Dependendo da gravidade, esse pronto-atendimento bucal pode requisitar internação hospitalar para a sua prática", acrescenta. 
 
De qualquer forma, para ele, "a abordagem principal que o cirurgião-dentista deve ter nesses casos é de integração de seus procedimentos aos da equipe multidisciplinar da saúde. É do diagnóstico e aferição do conjunto de necessidades que nascem o tratamento e o seu plano de atividades". 
 
O psicólogo deve fazer parte dessa equipe multidisciplinar, mas, o Dr. Rodrigo afirma que o dentista pode usar seus conhecimentos para identificar alguns fatores de comportamento do paciente usuário de drogas. "A Psicologia é aliada da Odontologia, desde a nossa formação. Na faculdade, dispomos da disciplina de Psicologia aplicada na Odontologia, que nos ajuda, entre outros, a lidar com esses processos. Mesmo assim, a interatividade com psicólogos e psiquiatras é fundamental ao plano de tratamento conjunto de um dependente químico. Quando se trata da questão referente ao tratamento bucal do paciente sob efeito de drogas – especialmente as que levam a alterações no perfil comportamental, devemos nos ater aos nossos limites e, por vezes, aguardar a atuação preliminar de outros profissionais da saúde, para dispormos de melhores condições de abordagem e compreensão daquele paciente". 
 
Segundo a renomada psicóloga clínica Dra. Maria Carolina Vita Nunes, "a Psicologia pode auxiliar o profissional na compreensão da motivação da pessoa para cuidar da sua saúde, visto que as estratégias de assistência, orientação e cuidado são diferentes, de acordo com o estágio motivacional. Isto pode tornar a relação profissional – paciente mais fácil, ajudando a decidir sobre o momento de realizar intervenções, de modo a obter maior comprometimento da pessoa com o tratamento e, consequente, melhores resultados". 
 
Drogas x saúde bucal 
De acordo com Moraes, uma grande parte das drogas pode trazer repercussões indesejadas aos dentes, boca e seus tecidos: "Recentemente, a Federação Dentária Internacional (FDI) listou mais de 700 drogas e formulações que podem trazer transtornos de fluxo salivar, por exemplo. Sem falar no potencial hiperplásico para gengivas e mucosas, a partir de algumas drogas – caso de anticonvulsivos". 
 
Uma droga lícita que também merece citação são os bifosfonatos – medicamentos que atuam na capacidade de aumento densidade mineral óssea, agindo na reabsorção óssea e aumentando a massa esquelética total. "Ela gera efeitos prejudiciais à cicatrização pós-operatória e crescimento no risco de necrose óssea, além de alguns quimioterápicos de potencial efeito imunomodulador, aptos a prejudicar nossas defesas perante lesões e infecções menores, que serão perigosos nesses casos, especialmente aos pacientes de cuidados bucais precários", diz. Ainda sobre o uso de drogas lícitas, o cirurgião-dentista lembra que, os "esteroides anabolizantes podem estar associados ao aumento mandibular, dores faciais e crescimentos gengivais". 
 
No caso do álcool, que pode causar vício, apesar de lícito, também pode trazer problemas. "Pode haver aumento no volume das gengivas, dificuldades de coagular, redução do tônus ou hipertônus da musculatura facial, mau hálito, ressecamento e/ou ferida das mucosas da boca – no caso do alcoolismo -, e problemas cicatriciais e/ ou aumento no risco de infecção, apenas para citar os efeitos mais comuns", nota Moraes
 
Dos vícios encontrados nos pacientes que procuram o consultório odontológico, o alcoolismo é o mais frequente, segundo Moraes, e pode ser observado mediante os sintomas e efeitos observados. "Há, nesse caso, um hálito característico e, muitas vezes, o perfil alterado do paciente". O tabagismo, também muito frequente, pode ser visto como droga de uso oral e reconhecida por todos os malefícios que traz à boca – começando pela coloração mais escurecida que o fumo causa nos dentes. "Em caso de dúvida, o dentista pode perguntar ou interagir com a equipe médica de saúde, pois isso é positivo ao tratamento", acrescenta. 
 
As drogas depressoras e estimulantes também causam efeitos indesejáveis na saúde bucal, de forma direta e indireta, mas depende da dose utilizada. "Essa questão é dose dependente, ou seja, vai depender do tempo e da dosagem em que é utilizada, podendo variar de nenhum até um conjunto de sintomas", alerta. 
 
A cafeína, como estimulante e muito consumida pelos brasileiros, pode, também, afetar os dentes quando o consumo é exagerado. Com isso, além de poder causar agitação, ansiedade, dor de cabeça, insônia, contração das veias e artérias – o que dificulta a circulação sanguínea e acelera os batimentos cardíacos -, o uso excessivo pode afetar a função gástrica e intestinal: "isso gera reflexos indiretos à boca, por exemplo, sem falar da acidez característica de cafés adoçados que podem prejudicar a saúde dos dentes e da boca". Além, é claro, da coloração amarelada que também provoca nos dentes. 
 
Já a maconha, como droga ilícita, "pode se relacionar a queimaduras na mucosa bucal, xerostomia e diminuição na osseointegração de implantes". A cocaína, devido ao seu alto poder vasoconstrictor, "pode causar perfurações no septo nasal e palato duro e necrose na mucosa e osso alveolar quando esfregada na gengiva". O ecstasy tem um efeito xerostômico prolongado, além da indução à vontade de consumo de bebidas doces, apertamento e bruxismo: "Essa combinação resulta em lesões de atrição e erosão dental que podem chegar ao osso alveolar". 
 
Em dependentes de cocaína, deve haver um cuidado maior no tratamento, uma vez que o uso de anestésicos com vasoconstrictores oferece alto risco quando combinado com a droga. "Tal uso nesse paciente pode levar a variações bruscas na pressão arterial", afirma Moraes. 
 
De modo geral, segundo ele, grande parte das drogas causa xerostomia e estão associadas ao relapso na higiene bucal, além de os pacientes apresentarem altos índices de cárie, gengivite e doença periodontal. 
 
Para saber reconhecer esses problemas, o professor de Periodontia recomenda que, já na anamnese detalhada, o dentista conheça o paciente. "Primeiro, é preciso conhecer as respostas do paciente, seu perfil e seus limites – especialmente no que tange os motivos de uso e efeitos das medicações", diz. Além disso, esta é uma etapa para conferir outro efeito de potencial: o da interação dos medicamentos necessários com as drogas consumidas pelo paciente. "Um exemplo pode ser o da perda da efetividade de dado contraceptivo oral, na prescrição de outra droga (por razão bucal) de efeito antagônico a essa. O dentista deve ficar atento a isso", adverte. 
 
No atendimento bucal, muitas vezes, é preciso utilizar drogas que permitam determinado procedimento. Moraes confirma que pode haver algum impacto dessas drogas no atendimento bucal, como a perda do efeito da anestesia usada em alguns procedimentos. "A relação de perda da eficácia de antibióticos com o consumo de álcool, por exemplo, existe. Essa pode ser uma consequência indesejada que vai contra o objetivo da medicação", diz. 
 
Além do álcool e do cigarro, mais facilmente reconhecidos de acordo com características físicas e mentais do paciente, é importante que o cirurgião-dentista saiba mais sobre as outras drogas que poderão aparecer na rotina de consultórios, seus sinais e sintomas. "O dentista deve, além de ler artigos e saber dos efeitos mais comuns, ter o dicionário de especialidades farmacêuticas como um dos livros de cabeceira. Lá estão boa parte dos efeitos e interações potenciais das drogas. Em caso de dúvida, o dentista deve recorrer a esse guia e esclarecer a ele, a outros colegas da saúde e ao paciente, sobre a atitude a seguir diante de um tratamento", recomenda. 
 
A Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) define quatro tipos de usuários de drogas: experimentador, ocasional, habitual e dependente. O dentista pode desenvolver essa observação para ajudar a determinar qual tratamento e abordagem deve seguir. "A classificação da Unesco é fundamental ao dentista e a qualquer outro profissional de saúde que pretende se orientar no trato dessas situações. Sem dúvida, a diferenciação de estágios proposta pela UNESCO é válida e permite ao profissional cogitar aonde se encontra aquele paciente", garante. 
 
E ele alerta: "É importante que o dentista lembre-se que, muitas vezes, muito antes do dependente químico chegar ao médico ou psicólogo, é ele o primeiro a ser procurado pelo paciente. Portanto, conhecer tal classificação facilita nossa comunicação com colegas da área de saúde, a quem podemos encaminhar e dividir a responsabilidade pelo tratamento, para comunicarmos nossas desconfianças e preocupações que levem a dificuldades na nossa terapia". 
 
Cuidados e ética 
A Odontologia pode aliviar a dor e, ao mesmo tempo, contribuir para a reabilitação psicossocial dos pacientes. "Ao tratar sinais e sintomas mutilantes e de desconforto, no caso de perdas dentárias ou dor, por exemplo, damos a nossa contribuição direta ao processo reabilitador de dependentes químicos", comenta. 
 
Quando o tratamento bucal deve ser feito em usuários de drogas menores de idade, deve ser considerada, como sempre, a ética da Odontologia, garantida por um código claro que norteia a conduta e individualidade do processo. "Mesmo assim, dependendo do nível de comprometimento ou fase de vida, caberá ao responsável responder do menor pela situação", nota. 
 
Moraes diz que os cirurgiões-dentistas seguem as mesmas diretrizes das leis e incentivos ao combate a drogas, bebidas, fumo e outras. Porém, está surpreso por outros consumos nocivos à saúde, inclusive aos dentes, não terem a devida atenção. "Surpreende-me que o uso abusivo do açúcar, que tanto afeta a saúde e a boca, não seja visto como dependência química, em casos mais extremos. Lamento o governo reduzir a carga tributária de açúcar e derivados e esquecer a escova de dentes da sua lista de incentivo, por exemplo". O saco de açúcar, de acordo com ele, "deveria ter no seu verso o mesmo alerta do maço de cigarros, pois pode gerar dependência, se usado de forma abusiva". 
 
Portanto, os dentistas devem conhecer os sintomas das drogas lícitas e ilícitas, além de auxiliar no consumo de alimentos e bebidas que prejudicam os tratamentos a serem aplicados, a fim de saber identificá-los e tentar detectar o tipo de problema na anamnese, antes de qualquer tratamento. Desta forma, deve orientar o paciente a fazer um atendimento multidisciplinar para auxiliar na saúde do mesmo como um todo, o que irá garantir um tratamento odontológico mais eficaz e, claro, que o paciente tenha satisfação não apenas com o atendimento do dentista, o qual procurou inicialmente, mas com a sua própria vida.
 
 
 
Fonte: www.odontomagazine.com.br 
 

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