Editoriais Orthodontic Science and Practice – Edição 63

Prof. Dr. Alexandre Moro
Diretor Científico

Inteligência artificial e Ortodontia: você já utiliza muito e talvez nem saiba o quanto.

A história da Inteligência Artificial (IA) moderna contém todos os elementos de um grande drama. Começando na década de 1950, com foco em máquinas pensantes e personagens interessantes como Alan Turing, John von Neumann, McCulloch, Pitts e Rosemblatt, a IA iniciou sua primeira ascensão. Seguiram-se décadas de altos e baixos e expectativas impossivelmente elevadas, mas a IA e os seus pioneiros seguiram em frente. Em 2012, no importante desafio ImageNet de reconhecimento de imagens, tivemos pela primeira vez o uso de GPUS (placas gráficas de alto desempenho) na implementação de uma Rede Deep Learning, proposta vencedora realizada por Krizhevsky, Sutskever e Hinton.

Embora ainda estejamos tratando de casos de Inteligência Artificial Restrita, que é especializada em determinada aplicação, sem o poder de uma Inteligência Artificial Geral, a IA está agora expondo parte significativa do seu verdadeiro potencial, resolvendo problemas difíceis e fornecendo tecnologias muito avançadas2.

A tecnologia de IA também tem transformado rapidamente a Odontologia, e especialmente a Ortodontia. Trouxe consigo diversas vantagens, como alternativas de tratamento, precisão de refinamentos, velocidade e potencialmente aumento da eficiência do tratamento, simplificando e otimizando processos. Até o “novo” tratamento ortodôntico com alinhadores transparentes incorporou algoritmos de IA de ponta para criar estratégias de tratamento exatas em seus softwares. Com esses avanços, os ortodontistas são capazes de fornecer um melhor atendimento aos pacientes usando tecnologia de IA de última geração.

Antes de prosseguirmos, faz-se necessário a definição de alguns termos utilizados no assunto.

Inteligência Artificial (IA): é um ramo da ciência da computação que visa compreender e construir entidades ditas inteligentes, muitas vezes instanciadas como programas de software. Com o potencial de treinar um programa de computador para atingir capacidades altamente inteligentes, a IA começou a emergir no campo da saúde. Hoje em dia, usa-se mais comumente um ramo da IA chamado Machine Learning.

Algoritmo: é uma sequência finita de instruções ou comandos realizados de maneira sistemática com o objetivo de resolver um problema ou executar uma tarefa. A palavra “algoritmo” faz referência ao matemático árabe Al Khwarizmi, que viveu no século IX, e descreveu regras para equações matemáticas.

Machine Learning (ML) é um ramo da IA no qual, a partir de um modelo de decisão estabelecido, os sistemas aprendem a realizar tarefas inteligentes sem conhecimento a priori de parâmetros do modelo. Em vez disso, os sistemas identificam padrões em exemplos de um grande conjunto de dados, sem assistência humana. Isto é conseguido definindo um objetivo e otimizando as funções ajustáveis do sistema para alcançá-lo. Nesse processo, conhecido como treinamento, um algoritmo de ML ganha experiência por meio da exposição a exemplos aleatórios e ajustes graduais dos “ajustáveis” em direção à resposta correta.

Deep Learning (DL) é um método de ML que aprende tanto o modelo como os parâmetros do modelo a partir dos dados de treinamento. Com um modelo treinado, um sistema DL recebe uma entrada X e a usa para prever uma saída de Y2. Por exemplo, dados os preços das ações do ano passado como entrada, meu algoritmo de DL tentará prever o preço das ações do dia seguinte. As implicações do DL são insanas. Síntese de vídeo, carros autônomos, IA de jogos de nível humano e muito mais. O DL não é um algoritmo em si, mas sim uma família de algoritmos que implementam redes profundas com aprendizado que pode ser supervisionado, não supervisionado ou baseado em reforço. Estas redes são tão profundas que são necessários novos métodos de computação, para construí-las, além de clusters de alto desempenho para o treinamento2. Os algoritmos de DL usam a rede neural para encontrar associações entre um conjunto de entradas e saídas. Uma rede neural é composta de camadas de entrada, muitas camadas ocultas e algumas camadas de saída – todas compostas de “nós”. As camadas de entrada recebem uma representação numérica de dados (por exemplo, imagens com especificações de pixel), as camadas de saída geram previsões, enquanto as camadas ocultas são correlacionadas com a maior parte da computação, gerando atenção, identificação de características e representações latentes.

Muitos artigos têm sido publicados nos últimos anos sobre a IA e a Ortodontia. Revisões científicas4-6 que mapeiam a aplicação clínica da IA ortodôntica mostram um aumento significativo desde 2020, reconhecendo o potencial para ajudar na avaliação do tratamento de diversas maneiras. Isto foi acelerado pela pandemia global e pelos avanços tecnológicos da IA, viabilizados pela disponibilidade de hardware de alto desempenho. Em 2022, algoritmos de IA foram usados para analisar e interpretar imagens digitais e dados de diagnóstico, como radiografias panorâmicas, fotografias, e exames de imagem tridimensionais (3D), como tomografia computadorizada do feixe cônico (CBCT), modelos dentários digitais, fotogrametria 3D, bem como para identificar problemas e prever o curso, resultado ou estabilidade do tratamento. A IA também tem sido amplamente utilizada para monitorar pacientes durante o tratamento, tanto com alinhadores bem como com aparelhos fixos, e fornecer feedback e alertas em tempo real para garantir que o tratamento esteja ocorrendo conforme planejado1. Os sistemas baseados em IA e sua aplicação já estão chegando até mesmo aos currículos ortodônticos universitários.

Além disso, a IA pode ser usada para ajudar os ortodontistas a rastrear e analisar os dados dos pacientes ao longo do tempo, permitindo-lhes identificar tendências e padrões que podem ser úteis na previsão dos resultados do tratamento e na otimização dos planos de tratamento. Isso já está mudando o fluxo de trabalho nas clínicas de Ortodontia e alterando o intervalo entre as consultas. Também será especialmente útil para pacientes com casos complexos ou difíceis, onde os métodos tradicionais de avaliação podem não ser suficientes.

E o que podemos esperar para IA no futuro?

Ela proporcionará um processo de tratamento ainda mais rápido e eficiente e disponibilizará tratamentos ortodônticos para uma gama mais ampla de pacientes. Permitirá que os pacientes visualizem seu futuro tratamento usando as ferramentas que já temos disponíveis hoje, e que serão aperfeiçoadas. Isso acarretará numa melhor experiência ao paciente – desde a primeira conversa com o ortodontista até o acompanhamento pós-tratamento. Também poderemos esperar planos de tratamento melhores e mais rápidos, baseados em bancos de dados de casos tratados anteriormente, que podem economizar tempo de planejamento e de tratamento para o ortodontista. Sem dúvida, recursos de planejamento de tratamento baseados em IA facilitarão muito esse processo.

A Inteligência Artificial dificilmente vai substituir o trabalho do ortodontista. Entretanto, é fundamental que os ortodontistas clínicos aprendam a utilizar as ferramentas da IA para melhorar a análise das inter-relações entre a dentição, o esqueleto craniofacial e os tecidos moles nas três dimensões; em vez de confiar cegamente em soluções automatizadas para análises mais rápidas. Essas avaliações clínicas de IA provavelmente promoverão um melhor diagnóstico ortodôntico, planejamento de tratamento, avaliação de crescimento e desenvolvimento, avaliação do progresso e resultados do tratamento, fase de contenção e acompanhamento de longo prazo. Ou seja, a IA pode auxiliar o ortodontista a chegar a um desempenho em um nível superior, fornecendo soluções ideais, inclusive agendando e remarcando as consultas dos pacientes. A Inteligência Artificial, o Machine Learnig, a Rede Neural Artificial e o Deep Learning visam fornecer soluções baseadas na experiência passada para fazer com que as aplicações clínicas sejam cada vez melhores e mais notáveis.

Referências

1. Grillo A. Braces and dentalmonitoring: expanding the platform to all your cases. In: Orthodontic products podcast; 2023 sep. Michigan, 2023. Disponível em: https://orthodonticproductsonline.com/resource-center/podcasts/braces-dentalmonitoring-expanding-platform-all-your-cases/.
2. Jones MT. A beginner’s guide to artificial intelligence and machine learning. In: IBM developer; 2017 jun. 1 – 12; New York, New York; 2017. Disponível em: https://developer.ibm.com/learningpaths/get-started-artificial-intelligence/ai-basics/ai-beginners-guide/.
3. Kunz F, Stellzig-Eisenhauer A, Boldt J. Applications of Artificial Intelligence in Orthodontics—An Overview and Perspective Based on the Current State of the Art. Applied Sciences. 2023; 13(6):3850.
4. Liang J. An introduction to deep learning. In: Towards data science, 2018, oct. 1- 5. Toronto, Ontario. Disponível em: https://towardsdatascience.com/an-introduction-to-deep-learning-af63448c122c.
5. Miranda F, Barone S, Gillot M, Baquero B, Anchling L, Hutin N et al. Artificial intelligence applications in orthodontics. Journal of the California Dental Association. 2023;51(1):2195585.
6. Strunga M, Urban R, Surovková J, Thurzo A. Artificial Intelligence Systems Assisting in the Assessment of the Course and Retention of Orthodontic Treatment. Healthcare (Basel). 2023;11(5):683.

Prof. Dr. Alexandre Moro
Professor Titular de Ortodontia – UFPR.
Professor dos Programas de Mestrado e Doutorado em Odontologia Clínica – Universidade Positivo Curitiba/PR.
Diretor Científico da Revista Ortho Science.

Eduardo Todt
Mestrado em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutorado em Automatización Avanzada y Robótica – Universidad Politécnica de Cataluña (IRI-UPC).
Professor Associado do Departamento de Informática – UFPR, Coordenador do Curso de Ciência da Computação de 2010 a 2014, Vice-Coordenador do curso de Informática Biomédica.
Membro dos grupos de pesquisa C3SL (Centro de Computação Científica e Software Livre), VRI (Visão, Robótica e Imagem) – UFPR.

 

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